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Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas
O Uso do Guggul como Coadjuvante no Tratamento da Obesidade
O organismo humano necessita de substâncias que sejam combustíveis para a produção de energia e, assim, manutenção dos processos fisiológicos. Os glicídios (também conhecidos como carboidratos) são fontes alimentares utilizadas pelo organismo para a obtenção rápida de energia. Os carboidratos complexos, como o amido, têm sua digestão iniciada já na boca através de enzimas presentes na saliva. Estes são quebrados em unidades menores que terão a digestão continuada no intestino delgado através da ação de enzimas pancreáticas e intestinais, onde monossacarídios, como a glicose, serão absorvidos. Após a absorção, serão utilizados pelas células para formação de energia. O excesso desses monossacarídios será estocado no músculo e fígado sob a forma de glicogênio, que será utilizado nos intervalos das refeições ou em períodos curtos de jejum. O glicogênio presente no músculo será utilizado para a manutenção e contração da própria musculatura, enquanto o glicogênio hepático, após ser novamente convertido em glicose, pode ser exportado para as demais células e utilizado principalmente pelo cérebro, que tem na glicose sua principal fonte de energia.
Se a ingestão de carboidratos for maior que a capacidade de estoque como glicogênio, essas substâncias serão transformadas em gordura e estocadas sob a forma de triglicerídios. Além do excesso de glicídios, a ingestão de proteínas e gorduras em excesso também será responsável pelo estoque sob a forma de triglicerídios no tecido adiposo (Meda dhatu). A molécula de triglicerídio é estruturada de forma a facilitar a sua quebra e conseqüente oxidação para formação de energia rapidamente, sendo a principal forma de estoque de energia metabólica. Como o triglicerídio possui lipídios de cadeia longa, não permite que haja hidratação, o que possibilita um estoque de grande quantidade de moléculas num menor espaço possível. Se fosse diferente, precisaríamos de uma área muito maior para estocar a mesma quantidade de lipídios capazes de servir como combustível energético. É importante mencionar esses detalhes para que se compreenda que o organismo estoca gordura para a manutenção da vida porque, quanto mais gordura estocada, maior a capacidade de produzir energia e perpetuar, assim, o funcionamento adequado e a própria sobrevivência desse organismo.
Além dos triglicerídios, outros tipos de lipídios formam o meda dhatu, com importância tanto estrutural quanto no metabolismo celular. Glicolipídios e fosfolipídios são os principais componentes da membrana celular. Araquidonato é um ácido graxo poliinsaturado que é o precursor de prostaglandinas, leucotrienos, prostaciclinas e tromboxanas, que são potentes mediadores intercelulares que controlam processos com, por exemplo, a inflamação. O colesterol é um componente de membranas celulares e precursor de hormônios esteróides e ácidos biliares. Além disso, é importante na lubrificação dos tecidos e nutrição de ossos e cartilagens. Níveis plasmáticos de colesterol abaixo de 150 mg/dl é uma das causas de artrite degenerativa e baixa de libido. Níveis plasmáticos acima de 200 mg/dl estão correlacionados com doenças cardiovasculares. A LDL (lipoproteína de baixa densidade) tem como função tanto carrear o colesterol através da circulação, a partir do fígado, para outros tecidos como participa do seu metabolismo. A LDL pode sofrer modificações oxidativas, favorecendo o aparecimento da aterosclerose. Estresse, fumo, sedentarismo, hipertensão arterial, diabetes, obesidade, são alguns dos fatores que também favorecem o aparecimento de doenças ateroscleróticas, com, por exemplo, infarto do miocárdio e aneurisma de aorta. A HDL (lipoproteína de alta densidade) em altos níveis, protege a LDL de sofrer oxidação , assim como a vitamina C, vitamina E e fitoterápicos com ação antioxidante. Exercícios regulares, caminhadas e ingestão de proteínas são importantes para manutenção e/ou elevação dos níveis plasmáticos de HDL.
Moléculas de gordura têm propriedades semelhantes ao dosha Kapha, dando massa e consistência ao organismo, quando ingeridas em quantidades moderadas. Tanto a gordura quanto carboidratos e proteínas ingeridos em excesso transformam-se em gordura e podem levar à obesidade.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a obesidade alcançou proporções epidêmicas, com cerca de 1 bilhão de adultos acima do peso com, pelo menos, 300 milhões clinicamente obesos. Em crianças, os índices também são alarmantes, com cerca de 17,6 milhões de crianças acima do peso com idade abaixo de 5 anos. A obesidade é o principal fator de contribuição para o aparecimento e desenvolvimento de doenças crônicas como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão, acidentes vasculares e alguns tipos de câncer. Além disso, é um fator importante no aparecimento de doenças debilitantes como dificuldades respiratórias, problemas musculares crônicos, problemas de pele e infertilidade.
Enquanto a genética é importante para que uma pessoa seja susceptível ao ganho de peso, o balanço energético é determinado pela ingestão de alimentos calóricos e atividade física.
A obesidade é definida usando-se o Índice de Massa Corporal (IMC), que é a razão entre o peso, em quilogramas e o quadrado da altura, em metros (IMC= Kg/m2). Um indivíduo com IMC acima de 25 kg/m2 é definido como sobrepeso e IMC acima de 30 Kg/m2, como obeso.
De acordo com o Ayurveda, uma pessoa obesa tem um grande apetite. Ela pode comer uma refeição completa e sentir fome três horas depois. Isso ocorre porque o jathara agni (fogo digestivo) é intenso mas o meda agni (metabolismo lipídico) é baixo, o que leva ao acúmulo de gordura sob a pele. O número de adipócitos modifica-se dependendo da dieta, estilo de vida qualidade do alimento e estado emocional. O meda dhatu é o tecido que se modifica mais lentamente. Meda e Kapha são lentos. A ingestão de alimentos que aumentam Kapha irão levar gradualmente a um aumento de meda. A gordura é necessária para nutrir glândulas como, tireóide, paratireóide, adrenais, ovários e pituitária. Psicologicamente, meda dhatu está relacionado à percepção. Moléculas do meda dhatu ajudam a preservar a saúde e a memória. A função espiritual do meda dhatu é a criação de moléculas que proporcionam alegria, como a endorfina.
Ainda de acordo com o Ayurveda, há várias causas que levam à desordem do meda dhatu, como o excesso de peso. Entre elas estão a ingestão de açúcar, sal, laticínios, bebidas geladas, consumo regular de carne, alimentos gordurosos ou frituras, gorduras de má qualidade (como gorduras saturadas ou “trans”), combinação de alimentos incompatíveis, excesso de água, estresse, emoções mal resolvidas, sedentarismo, exercícios abaixo da capacidade individual, álcool, fumo, drogas, uso de esteróides.
Uma outra desordem associada ao meda dhatu é a desordem do sono. Algumas pessoas sentem-se sonolentas ao dirigir, outras necessitam dormir durante o dia. Isso ocorre porque o metabolismo é lento, assim como o agni. Devido a isso, sadhaka Pitta (subdosha de Pitta) não mantém a consciência alerta. Para a correção, pode-se utilizar tricatu churna (gengibre, pimenta preta e pimenta longa) com mel. Outra complicação do meda dhatu é a deposição de gordura nos vasos sanguíneos, levando à aterosclerose.
Muitas vezes é necessário o uso de medicamentos no tratamento da obesidade ou para evitar e/ou tratar complicações decorrentes do excesso de peso. Um dos medicamentos utilizado como adjuvante é um extrato da resina da árvore Guggul (Comiphora mukul), extrato esse denominado de guggulipídio e que é utilizado na medicina ayurvédica por mais de 2000 anos para tratamento da obesidade, diabetes, hiperlipidemia, aterosclerose e osteoartrite. A substância ativa é um esteróide denominado gugglusterona e, tanto o Z- quanto o E-isômero possuem atividade. Um dos mecanismos de ação já descrito desse esteróide é o antagonismo de receptor X farnesóide, que é um receptor hormonal nuclear ativado por sais biliares. Estudos recentes evidenciaram a ação dos sais biliares como moléculas sinalizadoras, além da já conhecida função na absorção de lipídios da dieta e no metabolismo do colesterol.
A absorção do colesterol da dieta, a síntese endógena e a excreção através da formação de sais biliares regulam o metabolismo do colesterol no organismo. Os receptores de ácidos biliares participam dessa homeostase e o seu antagonismo aumenta o metabolismo do colesterol, diminuindo os níveis circulantes e aumentando a excreção dos sais biliares.
Tem sido, o uso do Guggul está relacionado ao aumento dos níveis de HDL, diminuição dos níveis de LDL e diminuição da oxidação da LDL devido ao seu efeito antioxidante. Também inibe a agregação plaquetária, estimula atividade do hormônio tireoidiano e possui ação antiinflamatória através da modulação da ativação do NF-kB, fator importante nas doenças inflamatórias.
Ayurveda, que é uma ciência da saúde espiritual, diz que nós carreamos nas moléculas de DNA a memória de doenças dos nossos antepassados, inclusive a obesidade. O desejo de ingerir alimentos que engordam é lembrado no tecido adiposo como um fenômeno bioquímico. Nosso pensamento é um veículo bioquímico através do qual há a comunicação com as células. O corpo inteiro é um corpo de consciência. Se uma pessoa senta-se calmamente e observa o movimento de braços ou pernas, ela traz consciência para o movimento. É a arte da visualização. Quando se visualiza o funcionamento do organismo, inicia-se a comunicação com as células com percepção e intenção internas. Um sutra védico diz: “se você tem intenção correta, você criará atenção correta. E atenção correta trará percepção correta. O fluxo mais profundo da percepção torna-se a via da farmácia interna”. Essa percepção será capaz de apagar a memória da obesidade. Assim, o desejo por açúcar, doces ou chocolate poderá chegar ao fim.
O alimento é necessário para o corpo mas, também, pode ser usado para tentar sanar insegurança, medo ou ansiedade. Assim, ingerir o alimento estando atento desde o momento da ingestão e durante todo o percurso no trato gastrointestinal faz com que se coma menos. Geralmente, as pessoas comem além do necessário por tentação ou falta de atenção.
O meda dhatu tanto pode reter mágoa ou tristeza quanto conter consciência e contentamento.
Referências Bibliográficas:
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